Conto terrificamente saudável de Halloween

Download do conto

Na vila onde morava a Nocas, na época do Halloween, as atenções voltavam-se para a velha mansão Cucurbital. A Cucurbital era uma casa abandonada onde se dizia estar escondido um grande tesouro. O problema? Nunca ninguém tinha conseguido encontrá-lo. A mansão tinha sido enfeitiçada e estava cheia de abóboras gigantes com caras assustadoras e risos maléficos, que faziam com que nenhum aventureiro tivesse conseguido passar da primeira sala.

Um dia, a Nocas e os amigos encheram-se de coragem e combinaram ir ver a mansão de perto.

“Eu não vou” – disse a Rosinha – “a casa é assombrada! O meu primo foi lá uma vez e teve pesadelos durante 2 meses por causa das abóboras. E só por abrir a porta!”

“Tens que vir, Rosinha. Vamos todos juntos e vamos ser nós a encontrar o tesouro da mansão!” – exclamou o Jeremias, o mais corajoso do grupo.

“Tu nem sabes se há mesmo um tesouro!” – retorquiu a Rosinha.

“Se formos medricas também nunca vamos ficar a saber” – respondeu prontamente o Jeremias.

E lá foram, com a Rosinha a choramingar e sempre lembrar-lhes que aquela aventura não era uma boa ideia.

Quando lá chegaram…bem…a casa era mesmo assustadora!  Apesar do dia de sol, a mansão estava envolta em nevoeiro e era muito escura, com cortinas esfarrapadas a sair pelas janelas, tábuas mal pregadas e portas enferrujadas.

No que antigamente fora um jardim, estava tudo seco.

A única coisa que lá crescia eram grandes abóboras cor-de-laranja, mas… sem cara, eram abóboras absolutamente normais.

“Olhem, estas abóboras são normais, não são nada assustadoras” – riu-se o Jeremias – “se calhar o que dizem das abóboras que estão dentro da casa é uma grande mentira, só para assustar as pessoas”

“Não, não é” – respondeu zangada a Rosinha – “essas abóboras sempre foram assim, normais. E aposto que é de propósito, para que as pessoas se assustem ainda mais quando abrem aquela porta”.

“Oh, eu vou dar uma volta à casa” – disse o Jeremias, encolhendo os ombros.

“Então vamos todos” – respondeu a Nocas – “é melhor não nos separarmos!”

E lá foram, sempre com alguma distância da casa, porque era melhor não arriscar.

“Bem, isto cá fora parece-me tudo normal” – declarou o Jeremias, enquanto sacudia as mãos.

“Normal?” A casa é assustadora” – repetia a Rosinha.

“Eu cá não tenho medo nenhum.  Vou espreitar por aquela janela, para ver se sempre se vê alguma abóbora malvada”.

E o Jeremias correu para a casa. Quando chegou perto da janela, encostou a mão para se apoiar, mas, ao mesmo tempo, uma pedra rolou da parede, fazendo com que o Jeremias caísse no chão.

“Jeremias, estás bem?” – gritaram os amigos enquanto vinham ao seu encontro.

“Eu disse, esta casa está assombrada” – gritava a Rosinha – “vamos embora daqui! Agora!”.

“Ei, amigos, venham cá ver isto”. O Concho estava a olhar muito intrigado para o buraco que tinha ficado na parede, depois da pedra ter rolado. “Diz aqui qualquer coisa.”

A Nocas aproximou-se e, gravado numa pedra, tinha um pequeno texto, que parecia ser já muito antigo.

“Que estranho” – disse a Nocas – “o que diz aqui não faz sentido. Parece um enigma”. E leu para os amigos.

Para mudares as que te estão a assustar

As outras que vês deverás transformar

Mais apetitosas, para que se possam rir

EDÚAS EDÚAS, magia a funcionar

Mas será que vais conseguir?

– “Lê outra vez” – pediu o Chico.

E a Nocas leu mais uma vez, e outra, e outra, até já saber o enigma de cor.

-“Alguém tem alguma ideia?”

Mas ninguém dizia nada, apenas caras pensativas e múrmuros. Ficaram em silêncio durante uns longos minutos, até que o Chico disse:

– “Ora bem. Será que temos que fazer doces, já que são apetitosos, com estas abóboras que estão cá fora? Serão estas “as outras” a que se refere o enigma? Estas não são assustadoras.”

– “Olha que isso faz muito sentido!” – exclamou o Jeremias entusiasmado – “Acho mesmo que é isso!”

Todos concordaram, mas havia um pormenor que ainda intrigava a Nocas.

– “Mas, o que será um edúas?”

– “Oh, devem ser palavras mágicas, como “abracadabra” – disse o Concho, pedindo à Nocas que não desse muita importância.

Os amigos decidiram assim traçar um plano: o Jeremias e o Chico iam colher uma abóbora do jardim da mansão assombrada e depois todos ajudariam a transportá-la para casa da Rosinha, já que a mãe dela fazia um bolo de abóbora e chocolate muito apetitoso.

Chegaram a casa da Rosinha animados, mas também muito cansados de carregar a abóbora, porque o Jeremias tinha escolhido a maior.

– “Olá mãe, podes fazer-nos o teu bolo de abóbora? Aquele que toda a gente gosta?” – pediu a Rosinha.

– “Posso, claro. Mas onde arranjaram esta abóbora tão grande?” – perguntou a mãe

– “É segredo” – respondeu a Rosinha, piscando o olho aos amigos.

E assim foi, a mãe da Rosinha fez o bolo que era verdadeiramente delicioso. Depois de comerem todo o bolo, combinaram voltar à mansão no dia seguinte, convencidos de que tinham resolvido o enigma e afastado as abóboras maléficas. Estavam perto de encontrar o tesouro!

No dia seguinte, partiram animados, mas, quando chegaram à mansão, ela continuava igual. Por fora, nada tinha mudado.

– “A mim parece-me que a casa está tão assustadora como ontem” – disse a Rosinha

– “Oh, não sejas medricas Rosinha” – troçou o Jeremias – “As mudanças foram só nas abóboras que estão lá dentro. O melhor é eu e o Concho entrarmos, e vocês ficarem cá fora. Se nós virmos que está tudo bem chamamos…e…ah…se vocês virem que nós demoramos muito lá dentro…corram para ir buscar ajuda”

O Jeremias e o Concho, correram valentes para mansão, mas não ficaram nem 5 minutos dentro da casa. Mal abriram a enorme e velha porta de madeira, saíram logo aos gritos.

“Corram, corram” – gritava o Concho – “São assustadoras … e grandes…e são muitas!”

Correram tanto que só pararam no parque da vila. Estavam tristes e desiludidos, mas decidiram discutir novamente o assunto. Escreveram o enigma num papel, e leram muitas vezes, tentando encontrar novas soluções.

– “Alguma coisa não correu bem” – dizia o Chico – “Nós deciframos bem o enigma, não há outra solução. Temos que fazer coisas apetitosas com as abóboras normais do jardim.”

– “Será por causa da receita?” – perguntou a Anita – “Será que era porque o bolo tinha chocolate para além da abóbora? Ele ficou castanho e não cor-de-laranja.”

– “É isso, Anita, só pode ser isso! A minha tia faz uns queques de abóbora muito docinhos e muito bons, que não levam chocolate. Vamos lá!”

E lá foram para casa da tia do Chico, levando o que tinha sobrado da abóbora. A tia preparou-lhes os queques com muito gosto e só o cheiro já fazia água na boca.

“Esperem!” – disse a Nocas – “Se calhar devíamos dizer as palavras mágicas antes de comer…aquelas que estão no enigma. É sempre assim nos filmes”

E todos em conjunto gritaram “Edúas edúas”, antes de provar os queques de abóbora que, na verdade, eram tão deliciosos quanto o bolo da mãe da Rosinha.

Mas, no dia seguinte, quando voltaram à casa, o mesmo terror aconteceu. As abóboras continuavam enormes e assustadoras e o Jeremias jurava que até existiam mais.

“Só pode ser da receita, estamos a usar a receita errada” – insistia o Chico – “temos que tentar outras, porque não há mesmo outra solução para o enigma.”

E os amigos combinaram voltar a tentar. Tentaram com doce de abóbora, sonhos de abóbora, pudim de abóbora, tarte de abóbora e nada resultou.

Ao fim de 6 tentativas, estavam todos já muito desanimados, e até o Jeremias confessou estar demasiado assustado para voltar a abrir a porta da mansão Curcubital. Concordaram, assim, que deviam desistir. Nada derrotava aquelas abóboras assustadoras e perigosas. A mansão estava assombrada para sempre!

Uma tarde, enquanto revia a matéria de Língua Portuguesa, a Nocas teve uma ideia brilhante. Estava a estudar as palavras que também tinham significado quando lidas de trás para a frente, como Roma e amor, e lembrou-se que aquela palavra mágica do enigma podia significar outra coisa, se lida ao contrário.

Escreveu num papel “edúas” e lá estava, ao contrário, a palavra “saúde”. Estavam a pensar mal desde o inicio! As receitas tinham que ser apetitosas, mas para a magia funcionar tinham também que ser saudáveis.

Correu para contar aos amigos e convenceu-os a irem buscar mais uma abóbora grande à mansão. Ia pedir à sua avó que fizesse uma bela sopa de abóbora.

E assim foi! Nessa noite, todos jantaram sopa de abóbora, que, não sendo um doce, estava maravilhosa!

– “É a melhor sopa que já comi!” – dizia o Jeremias entre colheradas.

– “Eu cá acho que acabei de descobrir que afinal gosto de sopa!” – gracejava o Concho.

Nessa noite, nenhum dos amigos conseguiu dormir bem, tal era a ansiedade. O que vale é que no dia seguinte era sábado e podiam ir logo de manhã à casa assombrada para perceber se finalmente tinham resolvido o enigma.

Quando lá chegaram, todos hesitaram. E se, mais uma vez, não tivesse funcionado?

– “Hoje vamos todos juntos!” – disse a Nocas, encorajando os amigos.

Pé ante pé, subiram os degraus do alpendre e a medo abriram a porta. A porta, pesada e velha, rangeu e o coração dos amigos batia muito acelerado. Quando a porta se abriu, fecharam os olhos, respiraram fundo e …nada…nenhum barulho…apenas abóboras com caras simpáticas e divertidas, que riam baixinho entre si.

O grupo percorreu toda a casa, admirando os quadros e pinturas fascinantes e as mobílias reais, até encontrar uma grande porta dourada.

-“Só pode ser esta a porta do tesouro!” – pensaram.

E era. Quando lá entraram, encontraram a maior biblioteca do Mundo, cheia de estantes, arcas e escadas, que parecia saída de um filme. Estava cheia de livros antigos e muito, muito valiosos, que estavam escondidos ali há séculos.

Os dias que seguiram foram muito atarefados para os amigos, sobretudo pelas muitas entrevistas que deram aos jornais. Sempre que lhes perguntavam como conseguiram desvendar o enigma e encontrar o tesouro, os amigos respondiam sempre o mesmo:

-“O segredo foi ser saudável!”