O 25 de abril é uma data que não entra no saco do “É feriado e pronto” para a Família Alecrim. Não que o façamos com os outros, mas, ainda que alguns de nós não o tenham vivido, somos todos muito conscientes do que é que o a Revolução de abril trouxe e a que é que veio por fim.

Neste dia, e numa alusão à obra de José Afonso, celebramos as formigas que mesmo no carreiro foram em sentido contrário.

Sendo a alimentação a grande temática desta casa,  hoje respondemos a 5 perguntas sobre a alimentação em tempo de guerra colonial com a colaboração do Museu da Guerra Colonial e com testemunhos de ex-combatentes.

1.Como era a alimentação em tempo de guerra colonial?

Os soldados que combatiam no Ultramar tinham, digamos, dois tipo de alimentação diferente. Podiam fazer as suas refeições na base militar ou então, caso estivessem no terreno, em atividade de reconhecimento e combate, dispunham da chamada Ração Individual de Combate. Esta Ração daria, na teoria, para 24 horas e era fornecida numa caixa de cartão.

2. O que compunha uma ração de combate?

Existiam tipos de rações diferentes, sendo a ração E (Europeia) a mais frequente. Dentro da ração tipo E existia a ração nº 20 e a ração nº 30, que diferiam na quantidade de produtos fornecidos (e consequentemente no aporte energético e nutricional). Ainda que possam ter existido alterações ao longo de 13 anos (como??) de Guerra colonial, com os vários registos que recolhemos, reconstituímos a possível composição de uma ração de combate:

Ração tipo E nº 20
1 tubo de leite condensado
1 lata de atum
1 lata de sardinhas
2 latas de carne/carne com feijão/tripas
1 lata pequena de compota
1 lata de fruta em calda/sumo de fruta
1 saqueta de café instantâneo
1 torrão nougat (amendoim)
1 pastilha de sal
+ Pão OU 2 bolachas (140g)

3.  A alimentação com as rações de combate era deficitária?

É difícil conseguirmos calcular a ingestão nutricional daquela altura, especialmente por não termos disponível a composição nutricional dos produtos. Ainda assim, se tentarmos fazer uma estimativa tendo por base os produtos que existem atualmente e as recomendações nutricionais para um homem com características semelhantes aos jovens combatentes, obtemos valores elevados para o sal, açúcar (elevadíssimos), colesterol total e gordura saturada e valores deficitários para nutrientes como as vitaminas C,  D e E.

Estes valores, resultam da necessidade de garantir energia aos combatentes, através de refeições baratas e não perecíveis, contudo o excesso de sal, açúcar e gordura e o défice de vitaminas e minerais (e consequentemente de antioxidantes) acartam a artilharia para uma guerra contra a saúde.

Podia questionar-se, no entanto, qual seria mesmo o impacto especifico destas rações na saúde dos combatentes. “Será que fizeram assim tanta diferença tendo em conta a alimentação normal dos portugueses?” Sim, muito possivelmente. Embora o sal fosse (e seja) de facto um ingrediente muito presente na culinária dos portugueses, o açúcar não era consumido numa base diária e os hortofrutícolas frescos (frutos e vegetais) estavam sempre presentes, o que representa uma alteração substancial em termos de padrão alimentar.

Adicionalmente também não devemos esquecer a água, que se resumia, muitas vezes, a um cantil. Se este cantil já não era suficiente para as necessidades de uma pessoa com uma rotina normal, muito menos o era numa situação de combate em climas quentes e sem grande possibilidade de re-abastecimento.

4. Existiria malnutrição com o consumo das rações de combate?

Muito provavelmente. A malnutrição é frequentemente confundida com “fome”, quando, na realidade, por malnutrição se entende uma falta de equilíbrio na quantidade e qualidade dos alimentos (seja por défice ou por excesso).  Assim, se os combatentes tivessem, efetivamente, acesso a uma ração de combate diária, é muito pouco provável que existisse “fome”, contudo,  dado o claro excesso de sal e de açúcar e défice de algumas vitaminas e minerais, a malnutrição poderia estar efetivamente presente.

4. A alimentação no tempo de guerra colonial pode ter efeitos na saúde atual dos ex-combatentes? 

Sim, é possível que a alimentação em tempo de guerra tenha contribuído para o estado de saúde atual de alguns ex-combatentes. Apesar de não existirem muitos dados neste sentido, um estudo português (Maia, A. 2010) apurou que as doenças atualmente mais reportadas por ex-combatentes do Ultramar são a perturbação mental (associada, muitas vezes, ao stress pós-traumático), a doença gastro-intestinal e a doença cardiovascular. Sabemos também que, quer a patologia gastrointestinal, quer a patologia cardiovascular têm uma forte associação com a alimentação, sendo inclusivamente referido no estudo que os hábitos alimentares constituem uma das explicações para a relação entre a exposição à adversidade e a fragilidade do estado de saúde mais tarde.

Muda alguma coisa termos esta informação? Não! Interessa?  Sim. É como sempre se diz “aqueles que não conhecem o passado, tendem a repeti-lo”; nunca será demais falar, estudar, reforçar seja em que área for. De entre os relatos do tempo do Estado Novo, aqueles que sempre mais me tocaram foram da guerra colonial; dizem os Delfins que esta foi uma “guerra sem razão”. Não sei se alguma guerra a terá, mas esta não a teve mesmo.

Nutricionista Alecrim

Para saber mais:
Museu da Guerra Colonial
Av. Central 4, 4760-673 Ribeirão
museuguerracolonial@adfa.org.pt / 919 594 510 – 919 594 499